Novamente o Brasil esteve no maior evento do motocross mundial, o Nações, que neste ano aconteceu na França. A equipe brasileira conquistou vaga nas provas finais ainda no sábado, sem precisar da repescagem. E novamente o chefe da equipe foi Manuel “Cacau” Carlos Hermano, que conseguiu a estrutura necessária para os pilotos participarem da prova, apesar das dificuldades.
Estivemos presentes na prova e conversamos com o Cacau sobre a prova e a classificação, a sua segunda como chefe da equipe. O clima na equipe estava ótimo, com todos comemorando a classificação, e, claro, Cacau estava muito feliz com o resultado.
DA – Mais uma classificação de uma equipe brasileira. Como foi o Nações aqui, na França?
CACAU – Nunca é fácil conseguir a estrutura necessária, com boas motos, para os pilotos. Mas, graças a Deus, eu tenho grandes amigos na Europa, que sempre me ajudaram esses anos todos. E graças a esses amigos que temos conseguido participar do Nações nesses últimos anos. Mais uma vez nós conseguimos agora (a classificação para as provas finais) com um time que muita gente não acreditava. O time conseguiu a classificação, e isso é muito importante para os pilotos, pois também portas podem se abrir para eles. São coisas que que tenho orgulho de fazer. Mas também já estou cansado, são muitos anos me dedicando e recebendo muitas críticas, mesmo com todos os desafios e dificuldades, e com pouco apoio. Não é fácil. Mas com a classificação, com muitos duvidando da nossa equipe, você vê que tudo valeu a pena, que foi recompensado.
Sabemos da importância em participar do Nações, uma grande experiência, contato com os pilotos estrangeiros, os melhores do planeta, em uma pista do Mundial. Como você disse, isso pode abrir portas…
Claro! Veja o (Guilherme) Bresolin, com 18 anos, primeira vez correndo fora do Brasil – ele até correu na Espanha, no Campeonato Espanhol, o que ajudou muito, numa pré-temporada que foi importante. Competir fora é fundamental para a carreira de um piloto. Não vamos fazer grandes pilotos no Brasil enquanto não mudar o Campeonato Brasileiro. Seis ou sete etapas por ano não é suficiente. Você vem aqui para competir com pilotos que fizeram cerca de 30 provas, que largaram 60 ou 70 vezes durante o ano. Assim fica difícil, eles não têm ritmo de corrida, não tem ritmo de largada. Então, sempre apanha. Fico feliz quando posso colaborar para que eles possam participar na prova.
Um exemplo foi o Bernardo Tiburcio. O Fernandinho (Silvestre, da Just1) levou ele para participar em provas do campeonato britânico. E com certeza ele chamou a atenção da indústria estrangeira. É importante esse contato com o esporte internacional, onde os pilotos podem aprender. O piloto brasileiro tem dificuldade em acompanhar os estrangeiros, principalmente nas curvas. O brasileiro não consegue fazer como eles, porque eles treinam muito mais, andam muito mais do que a gente.
Essa participação internacional é importante. Lembro de 2015, quando o Fabinho participou no Nações e recebeu propostas para correr fora. Mas, na época, seu objetivo era outro, eu entendo. Sei que é difícil correr no Mundial, é diferente e mais difícil.
Esta foi a sua segunda classificação no Nações como chefe de equipe. Qual é a sensação de conquistar uma vaga na prova considerada a mais importante da modalidade, que conta com a participação dos melhores pilotos do planeta?
É muito gratificante, ainda mais depois de todo o trabalho, dos desafios e do pouco apoio para estarmos presentes na prova. Esta é a minha 11ª participação no Nações, e a primeira classificação aconteceu em 2018. São os pilotos os responsáveis por essa conquista, são eles que se entregam de corpo e alma na busca da conquista, que não é fácil. Como disse, eles têm poucas provas no Campeonato Brasileiro, em pistas completamente diferentes, e aqui disputam posições com os maiores nomes do esporte. Estou feliz por eles terem conquistado a vaga, pois sabemos das nossas limitações. Portanto, eles merecem toda as nossas considerações. Fico muito feliz por eles, é uma honra, orgulho. Eu, que não sou piloto, fico orgulhoso. Arrepia sentar naquela caminhonete e desfilar com os meninos e a bandeira do Brasil. Tudo é pelo nosso país e pelo esporte.
O Fabinho terminou a prova classificatória na nona posição e, em um determinado momento, disputou posição com o Liam Everts, que disputou o título da MX2 nesta temporada. Como sentiu o Fabinho antes da classificatória? Ele estava confiante num bom resultado?
Conquistar o título brasileiro foi muito importante para o Fabinho, assim como sua pré-temporada na Espanha foi fundamental. Ele e o Bresolin vieram preparados, chegaram com os títulos nacionais nas mãos. O Fabinho ainda ganhou o Latino-Americano. Senti o Fabinho um pouco desanimado, talvez por não contar com todo o apoio necessário, mesmo com os títulos de campeão brasileiro e latino-americano, e falei para ele que poderia encerrar a temporada. Concordo que ele deveria ter muito mais, afinal de contas é o campeão, mas nem sempre as coisas acontecem como deveriam acontecer. Acho também que poucos acreditavam na equipe. Mesmo assim, ele entrou na pista e deu o seu melhor, foi incrível. Havíamos conversado que ele precisava de um bom resultado para uma possível classificação, e ele largou muito confiante. O Carlos Campano estava na prova e me disse, antes da classificatória, que o Fabinho iria andar entre os dez primeiros. E foi exatamente isso que aconteceu, ele andou forte e chegou a disputar posição com pilotos que disputaram o título na temporada. Realmente foi uma grande prova dele. Como todo campeão, ele achou forças para conquistar um grande resultado.
O que achou desta edição do Motocross das Nações?
É uma das pistas mais bonitas que eu já vi e o público é incrível. Meu Deus do céu, aquelas 100 mil pessoas gritando e cantando o hino francês. Não existe nada parecido com isso, o Nações é sem dúvida a maior prova da modalidade. Uma das minhas primas decidiu ver a prova e ficou impressionada, mesmo não tendo nenhum contato com o esporte antes, e garantiu que estará presente no próximo Nações. É uma prova incomparável, é um show. Uma torcida italiana passou pelo nosso box gritando “Brasil! Brasil”. É uma enorme festa, e os franceses sabem comemorar a realização do Nações em seu solo. Vimos franceses, italianos, alemães, todos apoiando outros países e gritando o nome da nossa nação! É algo indescritível, não tem nada igual ao Nações. Os pilotos não lutam por um time, eles lutam pelo seu país. Isso me faz muito bem, mesmo com todas as dificuldades em estar presente na prova.
Quanto às motocicletas, como foi prepará-las?
Elas são praticamente originais, que participaram do Mundial, mas estavam em perfeitas condições para competir, tanto as Yamahas como a Husqvarna. E também tivemos o apoio de uma equipe do Mundial. Nossos parceiros nos deixaram bem tranquilos quanto aos equipamentos, eles sabem o que fazer e têm muita experiência com as motocicletas. Sempre consegui bons equipamentos e uma estrutura adequada para participar no Nações.
Nós fomos treinar apenas na quinta-feira antes da prova, em uma pista seca. Procuramos mais acertar as motocicletas do que treinar. Falei pros meninos que esse ano foi muito difícil: saímos segunda-feira à noite do Brasil, chegamos na Europa na terça-feira às 3 horas da tarde, alugamos um carro em Paris e percorremos mais três horas de carro até Ernée. Ou seja, eles estavam muito cansados e achei melhor não treinar já na quarta-feira. Na quinta, fomos acertar as motos, para eles sentirem o que era necessário alterar. E deu tudo certo, o Fabinho gostou do comportamento da motocicleta, assim como os dois outros. Eles ficaram mais tranquilos e mais confiantes ao saberem que têm um bom equipamento e que também podíamos contar com peças, caso fosse necessário, uma dúvida que todo piloto tem. Mas deu tudo certo.
Você falou das dificuldades em conquistar apoio para a prova. Quem foram os patrocinadores da equipe neste ano?
Quero agradecer à Yamaha do Brasil, que me deu suporte, assim como o pessoal da Nitro Moose, que se prontificou em apoiar a equipe brasileira, apesar de não termos muito contato. Também gostaria de agradecer à Racer, que fez o nosso uniforme, e à Geração Yamaha, que também nos apoiou.
Mas poderíamos ter mais apoio, afinal de contas não é barato participar no Nações. Conseguimos um valor inferior a 10 mil euros. O nosso gasto foi grande, pois tivemos que comprar pneus e outros itens necessários para competir no Nações, como passagens, hospedagem, combustível, aluguel das motos, carreta e tantos outros. Tem equipe que gastou mais de 30 mil euros para participar na prova. Foi um ano muito difícil para estarmos na prova. De qualquer forma, a classificação veio, é o que importa.
O que achou das provas classificatórias?
Como sempre, foram difíceis e desafiadoras. O Dudu (Eduardo Lima) vinha andando muito bem, estava passando um setor na 33ª posição, é depois já estava em 18º, chegando no 17º, mas acabou caindo e tivemos que jogar fora esse resultado. Assim, iríamos depender dos resultados do Fabinho e do Bersolin. O Fabinho tinha de andar entre os nove primeiros e o Bresolin, na 22ª colocação. A chance era muito pequena, mas a equipe poderia se classificar. E não é que o Fábio foi lá e fez o nome? Ele largou bem e andou na frente. Duvido que alguém imaginou que ele fosse largar tão bem e andar na frente tanto tempo. Ele chegou a dar três voltas em quinto lugar. Depois, quando estava em sétimo, esteve brigando com o Liam Everts. Não é que ele foi despencando na classificação, ele manteve o ritmo dele até o final, e isso fez diferença. Fiquei feliz ao ver que nós conseguimos a classificação, mesmo com todas as dificuldades, com a estreia do Bresolin na prova e os desafios de uma pista bem técnica.
Como avalia o desempenho dos pilotos brasileiros?
O importante era a classificação. Para a final era não arriscar, relaxar e se divertir, foi o que disse para os meninos. Claro que iriam tentar bons resultados, mas tudo é diferente nas provas, e as coisas podem acontecer diferente do que planejamos. Nunca se sabe, então procuramos aproveitar as provas, sem muito risco, sem se machucar, e voltar pro campo bem. Os times que têm alguma chance de sucesso, cinco ou seis países, sempre vão se matar, lutarão até o fim. E aí o risco de cair e quebrar é grande, lógico. Para os outros países é procurar se manter na prova, sem cair. Infelizmente, tivemos alguns problemas nas largadas que prejudicaram nossos resultados na final. A nossa missão era a classificação, e conseguimos.
A próxima edição do Motocross das Nações será na Inglaterra. Já tem planos para a prova?
Primeiro eu vou decidir sobre o que venho fazendo. Depois de tantos anos com muitas dificuldades, penso em encerrar minha carreira como chefe de equipe. Não parar de ajudar, porque no ano que vem o Nações acontece na Inglaterra e alguns dos meus parceiros europeus já se mostraram interessados em me ajudar, se prontificando em oferecer o que for necessário para o próximo Nações. Muitos já se prontificaram a me ajudar, mas é difícil. Todo ano passando pela mesma situação, com pouco apoio e muitas críticas. Não é fácil conseguir verba para participar nessa prova, de convencer as pessoas de que é importante estar presente. Você tenta, mas a classificação às vezes não vem, mas é preciso estar presente. O Brasil tem tradição no motocross, já recebemos muitas provas do Mundial e já recebemos o Nações.
É isso que às vezes me dói, essa postura de não acreditar. Um exemplo é os Estados Unidos, campeão do ano passado, que está participando na prova mesmo sem enviar seus melhores pilotos. Às vezes eu fico triste, parece que as pessoas não acreditam nos meninos. Mas deveriam, pois são pilotos que se dedicaram o ano inteiro em busca dos melhores resultados – e conseguem pouco apoio para participar em uma grande prova, talvez a mais importante do cenário mundial. O que eu puder fazer para que o Brasil tenha uma equipe no Nações, eu farei. Mas isso não é suficiente, a indústria precisa estar mais presente no suporte à equipe. É importante estarmos presentes neste grande evento.